Agronegócio
Tomate preto, cenoura roxa e milho colorido: casal cria projeto para preservar sementes raras no RS
Para quem está acostumado a consumir apenas os produtos que chegam ao supermercado, o resultado do trabalho da Casa das Sementes Vivas pode ser surpreendente. Criado há dois anos pelo casal de agricultores Alícia Ganzo Galarça e Pedro Henriques, em Rolante, na Região Metropolitana do RS, o projeto preserva, multiplica e dissemina sementes de espécies crioulas, ou seja, nativas obtidas por meio de cruzamento e sem a interferência de transgênicos.
São espécies que podem gerar frutos, legumes e verduras bem diferentes dos que chegam à mesa da maioria dos moradores das metrópoles: de espécies de milho das mais diversas cores ao tomate preto, passando por cenoura roxa, quiabo gigante e cúrcuma azul.
Estes são alguns dos alimentos existentes na biologia nativa e cujo resgate é o principal objetivo da Casa das Sementes Vivas. Os responsáveis pela preservação são chamados guardiões de sementes, rede de agricultores que mantêm vivas espécies centenárias.
“Há 100 anos, tínhamos muitos tipos de milho, de tomate, de qualquer planta alimentar que quisermos usar como exemplo. Com a Revolução Verde {nome que se dá à modernização da agricultura em escala global a partir da década de 1960], foi feita uma transição das variedades tradicionais para sementes transgênicas. Dentro desse processo, se perde a biodiversidade local. Quando perdemos a variedade de espécies, não perdemos só a beleza das cores diferentes, mas perdemos nutrientes e a chance de ser resilientes no futuro, pois são sementes adaptadas a diferentes situações, como a seca”, explica Alícia, de 22 anos, que é também pesquisadora na área de desenvolvimento rural.
O projeto de construção da Casa das Sementes Vivas foi lançado via financiamento coletivo pelo Rancho Sem Nome, um coletivo de trabalhadores rurais que atua em rede em busca de autonomia alimentar e do qual fazem parte Alícia e Pedro Henriques, em junho de 2021.
A iniciativa arrecadou dinheiro suficiente para viabilizar as obras de construção de uma casa de barro, onde as sementes são armazenadas em segurança, e um viveiro, que funciona como um “berçário” de mudas, com estufa, irrigação e controle da ventilação.
Financiamento coletivo e intercâmbio entre agricultores
A ideia da Casa das Sementes Vivas nasceu há cerca de dois anos, quando Alícia e Pedro Henriques viram uma chuva forte derrubar um viveiro que o casal mantinha, fazendo com que eles perdessem as sementes crioulas que mantinham preservadas. A solução, portanto, foi promover um financiamento coletivo para custear as obras de uma edificação mais adequada.
Ambas as estruturas estão em fase de construção. O viveiro está na fase final, esperando apenas uma lona. Até o início do inverno, já deve estar pronto. Já a casa de barro tem previsão de conclusão até o final do ano, em um processo que é mais trabalhoso.
“Essa casa de barro será um espaço de armazenamento, secagem e educação, pois temos o sonho de levar crianças lá para dentro, mostrar para as pessoas a diversidade de sementes que existem na região, explicar o processo envolvido”, diz Alícia.
Atualmente, o casal mantém cerca de 150 variedades de semente. Com a nova estrutura, o projeto poderá armazenar e reproduzir muito mais sementes, mas também trabalhar com mudas de maior porte.
Alícia estima que será possível, por exemplo, cuidar de uma muda de araucária por dois anos antes de levá-la ao solo, o que aumenta as chances de sucesso no desenvolvimento da planta na natureza. Além disso, o casal pretende usar o espaço para disseminar também conhecimento.
“A lógica da semente não é da escassez, é da abundância. Cada quilo de semente rende até 10 quilos, então buscamos seguir essa lógica. Há dois anos, por exemplo, recebemos cinco sementes de um milho verde lindíssimo e transformarmos em 300. Agora, temos o suficiente para fazer uma roça maior, que nos alimenta”, sustenta Alícia.
Se hoje o casal vive da renda da agricultura, um financiamento recorrente é uma alternativa pensada. O objetivo da Casa das Sementes Vivas, segundo a agricultora, não é transformar as sementes preservadas em produto comercial – e, sim, doá-las. O projeto também não conta com suporte de entidades públicas ou de empresas.
Foto: Roberta Castorina/Divulgação
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