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Moradores de Saudades destacam recomeço com medo e esperança após tragédia em creche

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O dia 4 de maio será para sempre lembrado pelos moradores do município de Saudades, no Oeste de Santa Catarina. O brutal assassinato de três bebês e duas professoras na creche Pró-Infância Aquarela deixou marcas profundas e impossíveis de serem apagadas em todos que vivem na cidade de nove mil habitantes.

Um mês após a chacina provocada por um homem de 18 anos que golpeou com armas brancas as vítimas, os moradores da considerada ‘Capital da Hospitalidade’ voltam, aos poucos, à rotina em meio ao luto pelas mortes e à sensação recorrente de insegurança.

O aposentado Valdo Luiz Hudiner, que costuma caminhar próximo à creche com a neta Manuela e os netos gêmeos Iuri e Iago, diz que redobrou os cuidados, mas não deixou de fazer suas caminhadas com os pequenos em um quadriciclo colorido todas as manhãs.

“Estou tranquilo. Antes já passeava com eles e estou continuando, mas tem gente que ainda se sente inseguro”, comentou.

A segurança pública é um dos orgulhos do município de Saudades. Casas sem muros e garagens sem portão fazem parte da paisagem. Até as bicicletas ficam em frente aos imóveis sem qualquer cadeado.

“As notícias daqui sempre foram boas. Isso que aconteceu foi uma surpresa para todo mundo, pois nossa cidade é muito gostosa de morar”, disse a aposentada Noemia Urno, enquanto caminhava ao lado da Praça Central de Saudades.

Há sete anos Noemia foi morar em Balneário Camboriú, no Litoral Norte do Estado, mas estava no município de Saudades no dia do ataque à creche. Nenhum familiar foi vítima da tragédia, mas o luto é mesmo, segundo ela.

“São pessoas amigas e conhecidas, a dor é muito grande. O pessoal está se esforçando e todo mundo dando apoio”, completou.

Comércio em funcionamento
A Prefeitura Municipal de Saudades decretou luto oficial por três dias após o ataque. Naquele 4 de maio o comércio fechou as portas diante da brutalidade do crime. Um laço preto deu lugar aos objetos de decoração nas fachadas das lojas e a bandeira do município ficou a meio mastro no portal da cidade.

Dias após a chacina, quando o sol parecia querer voltar a brilhar na cidade, o comércio, que já tinha as vendas aquecidas para o Dia das Mães, sentiu uma retração na procura por presentes pelo pavor dos moradores de sair de casa.

“A cidade é pequena e não tem como ficar sem se envolver com a situação. Em 25 anos de profissão foi o dia [3 de maio] mais difícil para trabalhar”, disse a dona de uma floricultura, Célia Hoehn, no dia 6 de maio.

Um mês depois, a reportagem voltou ao município para conversar com a empresária. Ela diz que o sentimento é de recomeço e esperança.

“Aos poucos nós estamos retornando, alguns ainda um pouco mais abalados. Gradualmente vamos nos equilibrando de novo. Precisamos seguir”, enfatizou Célia. Para ela, a cidade é sinônimo de tranquilidade, paz e de um povo muito acolhedor.

Já para o mecânico Ezequiel Vargas Pimentel, que tem uma oficina mecânica ao lado da creche, o retorno das atividades foi mais delicado. O empresário foi a primeira pessoa a chegar na escola após o ataque. Além de ficar cara a cara com o assassino, ele ajudou a socorrer dois bebes, um deles sobrevivente. “Estamos tentando seguir, cada um da sua forma. Estamos erguendo a cabeça e vamos continuar”, revelou.

Apesar de a escola ter recebido uma reforma com direito a nova pintura, as cenas daquele dia jamais serão esquecidas na memória de Ezequiel. “Às vezes ouvimos as crianças e fica aquela a sensação de que está acontecendo algo. Tivemos acompanhamento psicológico, o que ajudou muito, mas no começo ficamos bastante inseguros”, disse.

Aulas mais seguras
As obras na creche após a chacina foram finalizadas antes do retorno das aulas e teve o apoio de moradores que atuaram como voluntários.

O local, que atende 74 crianças, de 6 meses a 2 anos, nos turnos matutino e vespertino, recebeu nova pintura. A sala onde as crianças foram mortas foi destruída e transformada em um espaço de recreação.

As aulas nas seis instituições de ensino municipais de Saudades também seguem normais. Agora, todas elas contam com portão eletrônico e a presença de uma segurança.

“Melhorou bastante a segurança. Sabemos que as crianças estão seguras, o que deixa os pais mais tranquilos”, disse Josemar Sulzabach ao buscar o filho na creche.

A prefeitura da cidade anunciou a oficialização da parceria com PM (Polícia Militar) para a implantação do Proerd (Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência) nas escolas municipais e estaduais.

“É um momento bem delicado. Graças a Deus todos os alunos estão vindos e esta retomada foi bem importante. Tivemos uma conversa com eles, pois fomos instruídos a acalmá-los. Todos voltaram com muito medo, mas tranquilizamos que a polícia está acompanhando qualquer movimentação diferente. Também orientamos que se alguém vir algum aluno com comportamento diferente, que repasse para nós”, comentou a professora de matemática da escola onde o assassino estudava, Caroline Toeger.

A tragédia 

A chacina no município de Saudades foi um massacre escolar. Três crianças, uma professora e uma funcionária morreram no ataque, perpetrado por um jovem de 18 anos, natural da cidade e identificado pelas autoridades como Fabiano Kipper Mai. O caso teve repercussão internacional.

Quem foram são vítimas
Keli Adriane Aniecevski, de 30 anos, professora
Mirla Amanda Renner Costa, de 20 anos, agente educacional
Sarah Luiza Mahle Sehn, de 1 ano e 7 meses
Murilo Massing, de 1 ano e 9 meses
Anna Bela Fernandes de Barros, de 1 ano e 8 meses
Segundo informações da Polícia Civil, por volta das 10 da manhã de 4 de maio, Fabiano Kipper Mai, um jovem sem histórico criminal, dirigiu-se de bicicleta à creche Pró-Infância Aquarela. Ao entrar no local, atacou uma professora de 30 anos que, embora ferida, conseguiu correr para uma sala onde estavam quatro crianças e uma funcionária da escola, na tentativa de alertar sobre o perigo.

Fabiano Mai golpeou, então, as crianças que estavam na sala e a funcionária. Duas meninas menores de dois anos e a professora que sofreu o primeiro ataque, morreram no local. Outra criança e a funcionária morreram no hospital.

O delegado Jerônimo Marçal Ferreira informou que o autor confessou o crime e chamou de heroínas a professora e a agente de educação por terem impedido que o jovem fosse para outras salas.

“Ele tentou entrar em todas as salas e não conseguiu. Aquelas mulheres conseguiram evitar que um mal maior acontecesse, foram muito valentes”, disse o delegado.

Durante a investigação, que contou até com o apoio da Embaixada dos Estados Unidos, mais de 20 pessoas foram ouvidas, tendo o próprio criminoso prestado depoimento no dia 10 de maio, enquanto ainda estava internado, sob custódia policial, no HRO (Hospital Regional do Oeste), em Chapecó. A polícia também aprendeu aparelhos eletrônicos e dispositivos apreendidos pertencentes ao jovem.

O assassino recebeu alta no dia 12 de maio e foi levado direto para a prisão, já com o uniforme penitenciário de cor laranja e algemas.

No dia 14 de maio, os delegados realizaram uma coletiva de imprensa após o fim do inquérito, detalhando, entre outras coisas, o motivo de o autor do crime ter escolhido a creche pela fragilidade das vítimas (crianças e mulheres) e que o homem tinha plena consciência do que fez. O crime foi premeditado por 10 meses.

O delegado também afirmou que o rapaz tinha dificuldades de relacionamento em “um nível muito acima do normal”.

“Nos últimos tempos, ele cada vez mais foi se isolando no mundo, tinha acesso a muito conteúdo inapropriado e contato com pessoas que pensavam como ele. Começou a alimentar este ódio a ponto de querer descarregar em alguém. Não era ninguém específico… era um ódio generalizado”, falou.

No dia 21 de maio, Ministério Público de Santa Catarina denunciou o jovem por cinco homicídios e uma tentativa com o agravante de crime triplamente qualificado – motivo torpe, utilização de recurso que impossibilitou a defesa das vítimas e utilização de meio cruel.

 

Créditos: Nd +

 

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