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Justiça

Seis anos após tragédia da boate Kiss, julgamento dos réus não tem data marcada

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Após seis anos da tragédia da boate Kiss, o processo abrangendo os envolvidos ainda corre na Justiça, sem data para o julgamento. O incêndio que atingiu a casa noturna de Santa Maria, na Região Central do Rio Grande do Sul, em 27 de janeiro de 2013, deixou 242 pessoas mortas. O total de feridos chegou a 636.

Em 2018, houve desdobramentos nos tribunais. Em março, o 1º Grupo Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) negou o recurso do Ministério Público, que tentava reverter a decisão que suspendeu o julgamento popular para os quatro réus do caso.

Isso ocorreu após o TJ ter acolhido, em dezembro de 2017, um pedido dos réus, afastando o dolo eventual – quando o réu assume o risco de matar –, determinando, assim, que eles seriam julgados por um juiz, por homicídio simples, e não por voto popular.

Diante do pedido negado, o Ministério Público e a Associação dos Parentes das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) interpuseram Recursos Especiais e Extraordinários junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF), para tentar reverter a decisão do TJ.

Respondem por homicídio por dolo eventual Elisandro Spohr e Mauro Hoffmann, sócios da boate, e Marcelo Santos e Luciano Bonilha, integrantes da banda que tocava durante a festa.

Como está a boate Kiss atualmente. Há seis anos, incêndio no local, deixou mais de 240 mortos — Foto: Reprodução/RBS TV

Recurso especial ao STJ

O recurso especial está em andamento no Superior Tribunal de Justiça. Foi distribuído ao ministro Rogério Schietti Cruz, que, no dia 10 de janeiro, encaminhou para o Ministério Público Federal (MPF), que deve emitir um parecer.

“No trâmite do STJ quem atua é o Ministério Público Federal. Então, nós estamos em contato com eles, colocando nossas preocupações. Após o parecer deles, já pode voltar ao relator e ser colocado em julgamento em um prazo exíguo possível”, afirma o subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Institucionais, Marcelo Dornelles.

O subprocurador explica porque o Ministério Público considera que o caso deve ir a julgamento popular. “Eles não se preocuparam com o resultado morte. Então, nós entendemos que houve muito mais que imprudência. O somatório de erros, de problemas, de más intenções que aconteceram levam que aquele resultado pode ser entendido como doloso”.

Após o resultado, o processo volta para o juízo de primeira instância, em Santa Maria, que deve marcar a data, seja do Tribunal do Júri – quando pessoas da comunidade participam da sentença – ou do julgamento por um juiz, conforme a decisão.

“Sendo procedente nosso recurso [que tramita no STJ], vai a julgamento popular em Santa Maria. Não sendo, vai voltar para nós acusarmos do outro crime que não seja contra vida, provavelmente o crime de incêndio seguido de morte”, acrescenta Dornelles.

O advogado de defesa das famílias, Ricardo Breier, adianta que, caso não ganhe o recurso reformando a decisão do TJ-RS, ingressará com novo pedido, dessa vez no Supremo Tribunal Federal (STF).

“Não se pode inibir a responsabilidade [dos réus]. Por isso que lutamos para preservar o prédio da boate. Se for a júri, os jurados vão visitar o local”, detalha Breier. Ele rejeita a tese de que os réus não tenham culpa pela tragédia, e acredita na condenação de Elissandro, Mauro, Marcelo e Luciano.

“Superlotação, ausência de iluminação, de saídas [na boate Kiss]. Eles visavam o lucro e pagaram com vidas”, diz. “Aquele local era um arapuca. Você entrava e não sabia se iria sair”, conclui Breier.

‘Sensação de impunidade’

O professor Nestor Raschen, de 59 anos, perdeu o filho Matheus Rafael Raschen no incêndio. Na época, o jovem tinha 20 anos, era estudante da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e jogador de basquete da seleção gaúcha e brasileira.

“O nosso filho Matheus era um menino fantástico que ajudou a salvar vidas naquela noite e acabou perdendo a sua. Em nome dele e dos demais filhos e filhas, nós exigimos que se faça justiça”, afirma Nestor.

Pai conta que Matheus ajudou a salvar vidas na noite do incêndio da Kiss — Foto: Arquivo pessoal

Para ele, a demora do julgamento passa a “sensação de impunidade”. “Nós precisamos responsabilizar as pessoas, sócios da boate e integrantes da banda, e também o poder público pela tragédia, para que tais eventos não se repitam mais”.

“Nossa maior riqueza, nossos filhos, já não estão mais conosco. O que queremos é que não se repita com outras famílias. A justiça serve para que todos tenhamos cuidado com a vida do outro. Quem é negligente precisa responder severamente pelo erro cometido para que sirva de exemplo para toda a sociedade”.
O presidente da AVTSM, Sergio da Silva, que também perdeu o filho na tragédia, conta que a espera causa uma sensação de abandono pela Justiça.

“Como associação, nós temos que entender que é uma luta constante, vai seguir em frente. Mas como pai, como vítima, é [sentimento de] indignação, falta de respeito, tristeza, decepção”.

O subprocurador Marcelo Dornelles explica que desde o primeiro momento o Ministério Público tomou providências para que o caso tivesse prioridade total dentro da instituição.

“Nós designamos promotores para atuarem exclusivamente dentro desses processos, em todos eles. Então, claro que a complexidade é grande, o volume é grande, mas nós vemos sempre com preocupação a questão do tempo”, afirma.

“A cada ano que passa, nós também sofremos juntos em não ver o deslinde desse caso. Nós temos essa preocupação, esse interesse, em que isso seja julgado o mais breve possível”.

Defesa dos réus

O advogado de Elissandro Callegaro Spohr, Jader da Silveira Marques, afirmou ao G1 que “a expectativa da defesa em relação ao julgamento do MP é no sentido de ser respeitada a jurisprudência do próprio STJ, que não admite a avaliação de provas em recurso especial”.

Ele acrescentou que “em relação a tese de inexistência de dolo no incêndio e nas mortes não é apenas a defesa que sustenta essa situação. A partir de agora, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul afirmou no acórdão vencedor que não há no processo elementos que indiquem que tenham os acusados aceitado o resultado morte ou lesões corporais das vítimas da boate Kiss”.

Imagem da noite do incêndio na boate Kiss — Foto: Germano Roratto/Agência RBS

“Eles não aceitaram esse risco diante da previsibilidade do resultado. […] Por qualquer ângulo que se olha essa situação, o proprietário da boate e os demais acusados podem responder por delitos tipificados no Código Penal, mas que não estejam voltados para o dolo de matar ou de causar lesões nas pessoas. Esse é o resultado do julgamento no Tribunal de Justiça, que se espera que seja mantido”, acrescenta o advogado.

A defesa de Luciano Augusto Bonilha Leão, o advogado Gilberto Carlos Weber, afirmou que neste momento é aguardada a decisão do recurso para que se tenha conhecimento de como será julgado o processo.

“No nosso entendimento se trata de homicídio culposo [quando não se tem a intenção de matar]. Então, o julgamento deve ser efetivado por um juiz regular, mantendo a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul”, explica.

Os advogados dos demais réus foram procurados, mas não foram encontrados ou não responderam aos pedidos.

Indenizações

Além da decisão final da Justiça, boa parte das famílias ainda aguardam outra definição: a do pagamento das indenizações. O advogado Ricardo Jobim, que representa 206 famílias de vítimas em ações cíveis, explica que os processos se encontram paralisados, à espera de uma perícia contábil para avaliar a extensão patrimonial da família de Elissandro Spohr, à qual às contas da Kiss estavam ligadas.

“Eles [família Spohr] tinham muitas empresas de contabilidade misturadas”, explica Jobim. A perícia técnica não tem data para ser concluída.

Somente após a definição do valor total do patrimônio da família será possível encaminhar os pedidos de indenizações.

O advogado toma como base a negociação realizada no caso do acidente com o avião da TAM, em 2007. “Perder familiar não tem precificação, mas também não pode ser algo [valor] ofensivo à família. Eles não fazem por causa do dinheiro, fazem para não deixar sem resposta. O dinheiro não vai fazer os familiares voltarem”, diz.

Os valores que serão pedidos como indenização ainda não estão definidos, mas devem girar em torno de R$ 300 mil, de acordo com o que foi pago no caso da TAM.

Além do grupo de proprietários da Kiss, constam como réus nesses processos os governos do estado e municipal, pelos problemas de fiscalização e liberação do espaço, e o Grupo K1, a que pertence a empresa fabricante das espumas usadas para isolamento acústico.

“Um dos fatores que causou a tragédia é que a venda do produto não vinha com alerta de não ser adequado ao isolamento acústico e não explicava que liberava o gás tóxico”, explica.

Denúncia contra pais de vítimas rejeitada

Em julho do ano passado, a denúncia contra dois pais de vítimas da boate Kiss foi rejeitada pelo juiz Leandro Augusto Sassi, da 4ª Vara Criminal de Santa Maria. Eram alvo o presidente da AVTSM, Sergio da Silva, e o vice-presidente da entidade, Flávio José da Silva. Outros dois pais de vítimas também foram processados, e inocentados.

Flávio e Sergio foram denunciados por calúnia pelo promotor Ricardo Lozza. Na representação, Lozza afirma ter se sentido ofendido por cartazes que foram colados nas ruas de Santa Maria com sua foto, o apontando como um dos culpados da tragédia. Os cartazes foram recolhidos.

Após decisão favorável ao promotor, um recurso da defesa de Sergio foi apresentado junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), e negado pelo ministro Luiz Fux. O processo, então, voltou para Santa Maria, e foi rejeitado pelo juiz.

Além de Sergio e Flávio, outros dois pais de vítimas também foram processados: Paulo Carvalho, por dois promotores, e Irá Mourão Beuren, por um promotor aposentado e um advogado. Ambos foram inocentados.

Memorial

Uma das expectativas na cidade é em relação à construção de um memorial, no local onde funcionava o prédio da boate. O terreno já foi desapropriado pela prefeitura, mas o prédio só será demolido depois do julgamento, que ainda não tem data marcada. O projeto do memorial foi escolhido em um concurso nacional de arquitetura.

O concurso foi financiado em uma campanha coletiva pela internet.

“Nós aprovamos o projeto na prefeitura no final do ano passado. Essa etapa já foi concluída. E agora a gente precisa ir atrás do recurso para a execução do projeto”, afirma a vice-diretora do Instituto de Arquitetos do Brasil em Santa Maria, Anneliese de Almeida.

Comissão Interamericana dos Direitos Humanos

Em 2017, o caso foi encaminhado à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), por meio de petição que denunciava a violação do direito das famílias à Justiça.

Segundo a advogada Tâmara Biolo, responsável pela petição, não houve nenhuma novidade quanto à denúncia que foi encaminhada.

“Eles receberam a petição em 2017 quando enviamos, mas ainda não abriram o procedimento”, explica a advogada.

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